z As Companhias de Ordenanças no Reino de Portugal e no Brasil – Sua importância – Nossos tetra e penta-avôs foram oficiais das Companhias de Ordenanças, como capitães, coronéis, e, como sargento-mor, da nossa família Silva e Oliveira, de Uberaba-MG

HISTÓRIA DE PORTUGUESES DO BRASIL
HISTÓRIA DE PORTUGUESES NO BRASIL

Este site é sobre o CAPITÃO DE ORDENANÇAS Domingos da Silva e Oliveira e sua família Silva e Oliveira

Família do Presidente Fernando Henrique Cardoso, tetraneto do Coronel José Manuel da Silva e Oliveira.

http://www.capitaodomingos.wordpress.com

Família Fundadora de Uberaba-MG no Brasil,

Por isso postamos a importância das companhias de Ordenanças:

Não confundir com a Guarda Nacional, que dava título de Coronel aos fazendeiros importantes.

Já as Ordenanças realmente no Brasil Colônia até 1831 realmente governavam os lugares distantes de difícil acesso no Brasil.

DOMINGOS DA SILVA E OLIVEIRA E FRANCISCA DE SALLES GOMIDES são os pais de:

TEREZA EUZÉBIA DA SILVA E OLIVEIRA c/c José da Cunha Peixoto Leal, que são os pais de:

Francisca Alvina da Cunha Campos c/c JOAQUIM INÁCIO DE SOUZA LIMA, que são os pais de:

José Joaquim de Souza Lima c/c Eulina de Melo Lima, que são os pais de:

JOAQUIM DE LIMA c/c Maria de Oliveira Lima
ESMERALDA DE MELO LIMA c/c AMINTHAS EUDORO DE CASTRO (conhecido como Dóro)
ENOCH DE LIMA c/c Salvina Pontes Lima
ADALBERTO DE LIMA c/c Eudóxia Pinto Lima
ANTONIO DE LIMA (Totó) c/c Eunira Cortes Lima
Olavo de Lima c/c Cleonice de Castro, irmã do Dóro
Mário de Lima c/c Júlia de Jesus Lima
José de Lima c/c Dilma Abreu Lima
Maria de Lourdes Melo Coli c/c José Coli
Helenita Lima de Genari c/c Roberto Genari
Nair de Lima c/c José Pereira de Souza
Elza de Lima, solteira

Companhia de Ordenanças

As Companhias de Ordenanças foram criadas pelo regimento de 10 de dezembro de 1570 e constituíam-se como forças militares do Reino de de Portugal, compostas por moradores locais e encarregadas da manutenção da ordem interna (SALGADO, 1985, p. 97).

Logo após a descoberta das terras do continente americano, em 1500, a Coroa portuguesa empreendeu algumas iniciativas de caráter militar, como a construção de feitorias e a promoção de diversas expedições, destinadas a garantir a defesa do território contra investidas de estrangeiros. Com a distribuição de terras na forma de capitanias hereditárias a partir de 1534, outras medidas visando à defesa da colônia foram implementadas. Nesse sentido, o foral de Duarte Coelho determinou que o donatário possuísse o título de capitão e tivesse o comando das armas de sua jurisdição, ficando também incumbido de convocar os moradores para servir no tempo de guerra (FORAL…, 1966, p. 202-208).

Com a instalação de uma estrutura administrativa mais complexa, a partir da criação dos cargos do governador-geral, ouvidor-geral e provedor-mor, a questão da defesa assumiu um destaque maior. Tomé de Sousa, primeiro governador-geral nomeado em 1548, recebeu o título de capitão-mor da armada que trouxe os oficiais régios para a colônia, e uma de suas primeiras tarefas foi a de construir, em Salvador, uma fortaleza. Na sua expedição trouxe também cerca de quatrocentos soldados regulares para assegurar o exercício de sua autoridade. (SODRÉ, 1965, p. 19).

Em relação à administração militar, no regimento de Tomé de Sousa havia, entre outros pontos, as disposições de proibir que se dessem armas para os índios e a de obrigar que capitães e governadores, senhores de engenho e outros moradores tivessem as armas necessárias para a defesa da terra – cuja inspeção ficaria a cargo do provedor-mor (REGIMENTO…, 1966, p. 253-269). Segundo parte da bibliografia consultada, ainda nesse período inicial foi criado o cargo de capitão-mor da costa, destinado a guardar a costa colonial, para o qual, no entanto, não foi dado um regimento específico (SALGADO, 1985, p. 99).

A partir da segunda metade do século XVI a necessidade de reorganização militar da colônia e do próprio Reino provocou um aumento das atividades relacionadas à proteção do tráfego comercial português e de seus domínios ultramarinos. Nesse sentido, d. Sebastião promulgou a Lei das Armas, definindo as obrigações militares e prescrevendo as armas obrigatórias a todos os vassalos entre 20 e 60 anos na direta proporção dos bens e rendimentos que possuíssem (MELLO, 2002, p. 19-21).

Um ano após o estabelecimento da Lei de Armas, foi promulgado o Regimento dos Capitães-mores, e mais Capitães, e Oficiais das Companhias da gente de Cavalo, e de pé; e da ordem que terão em se exercitarem, com o fim de regular com maior eficiência a estrutura militar de Portugal e suas colônias. Este regimento criou as Companhias de Ordenanças, forças militares convocadas em caso de necessidade, formadas por todos os homens entre 18 e 60 anos de idade, exceto os eclesiásticos e fidalgos.

Junto com as Milícias, as Ordenanças formavam as tropas de segunda linha, ambas não-remuneradas, e prestavam o serviço de apoio às tropas de primeira linha. As Milícias eram compostas por filhos de viúvas e lavradores, além de homens casados em idade militar. As Ordenanças, por sua vez, eram formadas por todo o restante de homens válidos. Os soldados recrutados para as tropas de primeira linha, por sua vez, eram geralmente, os filhos segundos das famílias, excetuando-se os de viúvas e lavradores (MELLO, 2002, p. 38).

De acordo com o regimento de 1570, as Companhias de Ordenanças seriam formadas, nas cidades, vilas e concelhos, por 250 homens, divididos em dez esquadras. As companhias deveriam ser comandadas por capitães, e contariam também com alferes, sargento, meirinho, escrivão, tambor, recebedor, e dez cabos, sob os quais ficava a responsabilidade por cada esquadra. As companhias existentes em cada cidade ficavam subordinadas ao capitão-mor, que tinha como competência arregimentar toda a população no serviço militar, além de visitar e determinar a formação de companhias, tarefas para quais contaria com o auxílio do sargento-mor.

O cargo de capitão-mor seria naturalmente ocupado por algum senhor do lugar ou pelo alcaide-mor. Na ausência destes, se realizaria uma eleição na câmara com a presença do corregedor (ouvidor) ou do provedor da comarca. Para os postos de sargento-mor, capitães de companhia, alferes, sargento e de outros oficiais se realizariam, igualmente, eleições nas câmaras. Todos os oficiais eleitos deveriam prestar seus juramentos, nos quais se comprometiam a defender os lugares, favorecer a justiça e ajudar em todos os casos em que fossem solicitados. Além disso, esses receberiam o privilégio de cavaleiro, que foi a forma encontrada pela Coroa para a retribuição dos serviços sem dispêndio da Fazenda Real (PORTUGAL, 1789a, p. 183-184).

A realização das eleições nas câmaras estabelecia um vínculo estreito entre estas e as Ordenanças, que acabaram por assumir o caráter de braço auxiliar na execução da política administrativa metropolitana. Ao mesmo tempo, estas fortaleciam o poder dos senhores de terras locais, que passavam, desse modo, a dispor de uma força armada para impor sua própria ordem e resguardar seus interesses (SALGADO, 1985, p. 110-111).

As cidades, vilas, e concelhos onde havia portos mereceriam disposições especiais. Além das Companhias de Ordenanças, nestas existiriam vigias para guardar os portos durante o dia e a noite, e sobre-roldas, eleitos pelo capitão-mor, com a finalidade de fiscalizar os trabalhos desses vigias. O regimento também previa a organização de companhias para os casos excepcionais, quando faltassem os 250 homens destinados à formação destas, e, ainda, determinava quais oficiais ficavam encarregados de substituir os postos mais importantes, quando estes estivessem ausentes ou impedidos.

Definidas atribuições particulares de cada oficial em relação à organização das companhias, ficavam os soldados, de maneira geral, incumbidos de zelar por suas armas, de comparecer aos exercícios realizados a cada oito dias e aos dois alardos anuais para os quais seriam convocados. Além disso, eram obrigados a se reunirem com suas armas e atuarem para a defesa do lugar, quando fosse necessário.

Em caso de não comparecimento aos exercícios e alardos, os moradores seriam punidos com penas pecuniárias e, a partir da terceira reincidência, presos, podendo até mesmo ser degredados. As apelações e agravos deveriam ser encaminhados para o capitão-mor. As despesas com pólvora e chumbo utilizadas nos exercícios seriam pagas com as rendas dos concelhos, e, onde não houvesse o dinheiro suficiente, o rei ordenaria a imposição de impostos sobre os vinhos e carnes.

A provisão de 10 de maio de 1574 determinou algumas mudanças na organização das Ordenanças, com a justificativa de que as medidas implantadas anteriormente causavam a “opressão do povo”. Dentre elas, estiveram a extinção do posto de capitão-mor na vila, cidade ou concelho onde só houvesse uma companhia e a redução do número de alardos anuais de dois para um, além de medidas que visavam ao favorecimento da obtenção de armas (PORTUGAL, 1879b, p. 195).

Em 1598, o cargo de sargento-mor da comarca, mencionado na provisão de 1574, foi regulamentado pelo regimento de 28 de novembro. Cabia-lhe a autoridade sobre os capitães-mores e as companhias de Ordenanças existentes nas comarcas. Também ficava incumbido de assistir aos exercícios e de fazer um livro de registro de todas as companhias.

O regimento do governador-geral Gaspar de Sousa, dado no período da dominação espanhola, em 1612, foi o primeiro a fazer referência à organização das Ordenanças no Estado do Brasil, encomendando a repartição dos moradores da Bahia e das outras capitanias em Companhias e garantindo que todos os moradores tivessem armas e se exercitassem aos domingos e dias santos, conforme ao Regimento de 1570.

As guerras da restauração do trono do português, visando libertar o país do domínio espanhol que se estabeleceu entre 1580 e 1640, criaram urgentes necessidades de modernização e reorganização militar. Uma das primeiras medidas foi o estabelecimento do Conselho de Guerra, em 1640, com o fim de tratar de questões referentes à organização de tropas e armadas, nomeação de oficiais de patente, atuando, ainda, como um tribunal superior nas causas militares (SALGADO, 1985, p. 43). No caso do Estado do Brasil e demais domínios portugueses, os assuntos relacionados à defesa ficaram a cargo do Conselho Ultramarino, instituído em 1642, que centralizava todos os assuntos referentes às colônias, com exceção dos eclesiásticos e das rendas régias.

Outra medida visando à reorganização militar foi a promulgação, em 1645, do Regimento de Fronteiras, destinado às tropas regulares, que também seria adotado no Brasil, segundo informa o regimento do governador-geral Roque da Costa Barreto, de 1677. Este regimento também expressou a mesma tendência, observadas nos regimentos anteriores dos governadores-gerais, em reforçar as atribuições relacionadas à defesa, à organização e ao pagamento de tropas militares.

Novas mudanças na organização das Ordenanças foram introduzidas durante todo o século XVIII. Em 1709, o alvará de 18 de outubro, tendo como objetivo impedir as crescentes irregularidades praticadas nas câmaras no processo de eleição dos postos, efetuou transformações com a finalidade de promover uma maior interferência da Coroa na escolha dos ocupantes dos cargos (MELLO, 2002, p. 69). Assim, para ocupar o cargo do capitão-mor seriam escolhidas, pelos oficiais da câmara junto com o ouvidor ou provedor da comarca, três pessoas “da melhor nobreza, cristandade e desinteresse”, cujos nomes seriam enviados para o general ou cabo que comandasse as Armas na capitania, e propostos ao rei através do Conselho de Guerra. Para a escolha dos postos de sargento-mor e capitão de companhia seriam seguidos os mesmos procedimentos, mas a eleição contaria com a participação do capitão-mor, donatário ou do alcaide-mor, e, na falta destes, com o sargento-mor da comarca (PORTUGAL, 1789d, p. 203). Este alvará também se referia aos ajudantes de Ordenanças, que antes eram providos através de eleição, e que passavam, a partir daquele momento, a serem nomeados pelo capitão-mor.

Em 1739, com a provisão de 21 de abril, a primeira direcionada particularmente ao Estado do Brasil e ao Estado do Maranhão, algumas determinações do alvará de 1709 foram reforçadas e novas mudanças autorizadas, dentre elas a de que cada companhia fosse composta por um capitão, um alferes, um sargento do número, outro do supra, e os cabos de esquadra necessários, devendo ser extintos os demais cargos (PORTUGAL, 1785a, p. 528-529).

Em 1749, a ordem de 12 de dezembro reiterou uma determinação, promulgada anteriormente, de que os capitães-mores das Ordenanças fossem vitalícios, e não mais escolhidos a cada três anos. Além disso, mandava que a escolha dos nomes propostos pelas câmaras para ocupar os postos ficasse por conta dos governadores do Brasil, que também lhes passariam as patentes (PORTUGAL, 1785b, p. 537-538).

Com a transformação do procedimento de escolha dos postos, verificou-se uma restrição gradual do poder de ingerência das câmaras nas Ordenanças, processo que atingiu seu ápice no reinado de d. José I (1750-1777). Nesse sentido, a provisão de 30 de abril de 1758 transcreveu o regimento das Ordenanças e as provisões concedidas nos séculos seguintes, com a finalidade de reunir a legislação para que esta fosse interpretada e aplicada no Brasil de forma correta (MELLO, 2002, p. 68; SALGADO, 1985, p. 108). A provisão também determinou algumas mudanças, como a do juramento obrigatório que passava a ser prestado ao governador-geral e a patente confirmada pelo rei. Modificava ainda a forma de adestramento militar, deixando de existir os exercícios semanais e o alardo anual, ficando o governador de capitania encarregado de baixar as normas a esse respeito, a fim de que os exercícios fossem feitos no lugar e tempo mais conveniente. A provisão também definiu que as atribuições dos extintos cargos de meirinhos e escrivães passariam aos sargentos das companhias, e mudou o procedimento judicial, determinando que as apelações e agravos fossem interpostas não mais pelos ouvidores do Estado do Brasil, mas pelo governador da capitania, o qual, com o auditor-geral e o cabo de maior patente sentenciariam em junta as apelações e agravos (PORTUGAL, 1785b, p. 538-539).

As disposições efetivadas por d. José tinham dois objetivos. O primeiro era o de ordenar a maior participação de habitantes da América portuguesa na defesa colonial, em decorrência das tensões entre as Cortes de Madri e Lisboa, provenientes das dificuldades na demarcação dos limites estabelecidos pelo Tratado de 1750. O segundo era reforçar a presença régia no processo seletivo para postos de oficiais, corrigindo os excessos e desvios (MELLO, 2002, p. 76).

Seguindo esta mesma tendência, a carta régia de 22 de março de 1766, dirigida especialmente para o Brasil, ordenou que os governadores mandassem alistar todos os moradores das suas respectivas jurisdições, incluindo “nobres, plebeus, brancos, mestiços, pretos ingênuos e libertos…” para servirem nos terços de Auxiliares e Ordenanças, de cavalaria ou de infantaria, para os quais seriam nomeados oficiais competentes, dentre eles um sargento-mor escolhido entre os oficiais das tropas pagas (idem, p.144; SALGADO, 1985, p. 109).

Com a chegada da família real em 1808, a estrutura da administração militar passou por uma remodelação que incluiu a instalação da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, da Academia Real Militar, fábricas de ferro e pólvora, além de reformas nas oficinas e arsenais existentes desde o século XVIII. Neste contexto, também foi instituído o Conselho Supremo Militar e de Justiça, um tribunal composto por dois conselhos relativamente independentes, o Militar e o de Justiça, ao qual competiam todas as matérias militares que, em Lisboa, se expediam pelos Conselhos de Guerra, do Almirantado e do Ultramar.

Em relação às tropas, foram mantidas as três linhas: do Exército, Milícias e Ordenanças. No entanto, houve um nítido predomínio do exército profissional sobre as demais, devido às ações militares empreendidas na Guiana, Montevidéu e a repressão da revolta ocorrida em Pernambuco em 1817 (WEHLING; WEHLING, 2008, p. 13).

No caso da organização dos corpos de Ordenanças, algumas questões relativas às nomeações dos postos foram esclarecidas por meio de várias decisões ao longo do período joanino. A decisão n. 54, de 24 de novembro de 1808, mandou cessar a autoridade dos governadores das capitanias sobre patentes e outros atos do serviço militar. Entretanto, a decisão n. 5 do ano seguinte determinou que, com exceção da Corte e capitania do Rio de Janeiro, os governadores continuariam a passar as nomeações e patentes dos oficiais.

No período joanino também foram criadas novas companhias: no distrito de Cantagalo, em 1811, na Vila de Magé, em 1813, na freguesia de Nossa Senhora da Glória, na Corte, em 1817, no distrito de Macaé, em 1818, na vila de Valença, na Bahia, em 1821, entre outras.

A partir de 1822, com a Independência, novas questões relacionadas ao provimento de postos foram temas da legislação, como exemplifica a decisão n. 8, de 15 de janeiro de 1823, que dispôs que as patentes dos oficiais de Milícias e de Ordenanças fossem lavradas em nome do Governo Provisório das Províncias, determinação que foi confirmada pela decisão n. 126 do mesmo ano. Posteriormente, a Constituição de 1824 previu a elaboração de uma regulamentação específica sobre o assunto e determinou ainda que todos os brasileiros fossem obrigados a pegar em armas para sustentar a independência e a integridade do Império.

Uma nova mudança na organização das Ordenanças ocorreu em 1830, com a decisão n. 9, que determinou quecâmaras perdessem a atribuição de propor os nomes para os postos das Ordenanças, limitando, desse modo, o poder de ingerência dos municípios na administração militar.

Em 1831, a lei de 18 de agosto extinguiu os corpos de Milícias, Guardas Municipais e Ordenanças, criando, em seu lugar as Guardas Nacionais.

Angélica Ricci Camargo
2 set 2013

Bibiligrafia
FORAL de Duarte Coelho, de 24 de setembro. In: TAPAJÓS, Vicente. A Política Administrativa de D. João III. 2ª ed. Rio de Janeiro: DASP – Serviço de Documentação, p. 202-208, 1966. (História Administrativa do Brasil; 2).

LEONZO, Nanci. As instituições. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. (coord.). O Império Luso-Brasileiro, 1750-1822. Lisboa: Estampa, 1986. (Nova História da Expansão Portuguesa, v. 8), p. 301-331.

MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Os corpos de auxiliares e de ordenanças na segunda metade do século XVII: as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a manutenção do Império português no centro-sul da América. 2002. Tese (Doutorado em História). Niterói-RJ. Universidade Federal Fluminense, 2002.

PORTUGAL. Regimento dos capitães-mores, e mais capitães, e oficiais das companhias da gente do cavalo, e de pé; e da ordem que terão em se exercitarem de 10 de dezembro de 1570. Sistema, ou Coleção dos Regimentos Reais compilado por José Roberto de Campos Coelho e Sousa, Tomo V. Lisboa, p. 183-194, 1789. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt&gt;. Acesso em: 4 de ago. 2008.

____. Provisão de 15 de maio de 1574. Sobre as Ordenanças, com algumas declarações, que não estavam nos regimentos. Sistema, ou Coleção dos Regimentos Reais compilado por José Roberto Monteiro de Campos Coelho e Sousa, Tomo V. Lisboa, p. 195-202, 1789. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt&gt;. Acesso em: 4 de ago. 2008.

____. Regimento dos sargentos-mores das comarcas de 28 de novembro de 1598. Sistema, ou Coleção dos Regimentos Reais, compilados por José Roberto Monteiro de Campos Coelho e Sousa, Tomo V. Lisboa, p. 217-219, 1789. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt&gt;. Acesso em: 4 de ago. 2008.

____. Lei de 18 de outubro de 1709. Em que se declara a forma em como daqui por diante se hão-de-fazer as eleições para capitães-mores e dos mais oficiais da Ordenança. Sistema, ou Coleção de Regimentos Reais compilados por José Roberto Monteiro de Campos Coelho e Sousa, Tomo V, Lisboa, p. 202-205, 1789. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt&gt;. Acesso em: 4 de ago. 2008.

____. Regimento das Ordenanças do Brasil de 21 de abril de 1739. Sistema, ou Coleção dos Regimentos Reais, compilados por José Roberto de Campos Coelho e Sousa, Tomo IV, Lisboa, p. 516-527, 1785. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt&gt;. Acesso em: 4 de ago. 2008.

____. Provisão sobre o mesmo regimento passado pelo Conselho Ultramarino em 30 de abril de 1758. Sistema, ou Coleção dos Regimentos Reais compilados por José Roberto Monteiro de Campos Coelho e Sousa, Tomo IV. Lisboa, p. 537-539, 1785. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt&gt;. Acesso em: 4 de ago. 2008.

SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

SODRE, Nelson Werneck. História militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

WEHILING, Arno; WEHLING, Maria José. Exército, milícias e ordenanças na Corte Joanina: permanências e modificações. DaCultura. Ano VIII, n. 14, jun. 2008, p. 26-32. Disponível em: <http://www.funceb.org.br/images/revista/5_2q0t.pdf&gt;. Acesso: 15 jan. 2010.

Referência da imagem
Arte Militar, Evoluções. Encyclopedie, ou, Dictionnaire raisonne des sciences, des arts et metiers, par une Societe de Gens de lettres. Paris: Briasson, 1751-1780, v.1, pr. XIV. Arquivo Nacional OR1896

ORGANIZAÇÃO MILITAR, PODER LOCAL E AUTORIDADE NAS CONQUISTAS: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ATUAÇÃO DOS CORPOS DE ORDENANÇAS NO CONTEXTO DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

http://lagosmilitar.blogspot.com/2008_03_30_archive.html

Artigo de Ana Paula Pereira Costa1

Doutoranda em História Social pelo PPGHIS/UFRJ

Introdução

Não obstante alguns autores enfatizarem a importância das organizações militares para a Coroa portuguesa, seja enquanto força coercitiva seja enquanto força administrativa, o interesse pela história militar no Brasil colonial tem-se mostrado bastante reduzido2. Boa parte da historiografia que trata do período colonial destaca a relevância das forças militares para a Coroa na administração dos domínios ultramarinos visto que normatizavam a população a fim de enquadrá-la em uma ordem que permitisse o bom funcionamento da sociedade colonial3.

A estrutura militar lusitana, que se transferiu para o Brasil, se dividia em três tipos específicos de força: os Corpos Regulares (conhecidos também por Tropa Paga ou de Linha), as Milícias ou Corpo de Auxiliares e as Ordenanças ou Corpos Irregulares. Os Corpos Regulares, criados em 1640 em Portugal, constituíam-se no exército “profissional” português, sendo a única força paga pela Fazenda Real. Essa força organizava-se em terços e companhias, cujo comando pertencia a fidalgos de nomeação real. Cada terço era dirigido por um mestre-de-campo e seus membros estavam sujeitos a regulamentos disciplinares. Teoricamente, dedicar-se-iam exclusivamente às atividades militares. Seriam mantidos sempre em armas, exercitados e disciplinados4.

As Milícias ou Corpos de Auxiliares, criados em Portugal em 1641, eram de serviço não remunerado e obrigatório para os civis constituindo-se em forças deslocáveis que prestavam serviço de apoio às Tropas Pagas. Organizavam-se em terços e companhias, sendo seu enquadramento feito em bases territoriais, junto à população civil. Os Corpos de Auxiliares eram armados, exercitados e disciplinados, não somente para operar com a Tropa Regular, mas também para substituí-la quando aquela fosse chamada para fora de seu território. Esta força era composta por homens aptos para o serviço militar, já que eram “treinados” para tanto e que sempre eram mobilizados em caso de necessidade bélica. Entretanto, não ficavam ligados permanentemente à função militar como ocorre nas Tropas Regulares. Sua hierarquia se organizava da seguinte forma: mestres-de-campo, coronéis, sargento-mores, tenentes-coronéis, capitães, tenentes, alferes, sargentos, furriéis, cabos-de-esquadra, porta-estandartes e tambor. Deve-se observar que o título de Mestre de Campo era atribuído ao comandante de Terço de Infantaria, enquanto o título de Coronel era atribuído ao comandante do Terço de Cavalaria5.

A completar o tripé da organização militar estariam os Corpos de Ordenanças. Criados pela lei de 1549 de D. João III e organizados conforme o Regimento das Ordenanças de 15706 e da provisão de 15747, os Corpos de Ordenanças, possuíam um sistema de recrutamento que deveria abranger toda a população masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas primeiras forças, excetuando-se os privilegiados8. Conhecidos também por “paisanos armados” possuíam um forte caráter local e procuravam efetuar um arrolamento de toda a população para as situações de necessidade militar. Os componentes das Ordenanças também não recebiam soldo, permaneciam em seus serviços particulares e, somente em caso de grave perturbação da ordem pública, abandonavam suas atividades. O termo “paisanos armados” carrega em si a essência do que seria a qualidade militar dos integrantes das Ordenanças, isto é, um grupo de homens que não possuía instrução militar sistemática, mas que, de forma paradoxal, eram utilizados em missões de caráter militar e em atividades de controle interno9. Também se organizavam em terços que se subdividiam em companhias10. Os postos de Ordenanças de mais alta patente eram: capitão-mor, sargento-mor, capitão. Os oficiais inferiores eram os alferes, sargentos, furriéis, cabos-de-esquadra, porta-estandartes e tambor11.

O presente artigo pretende abordar alguns aspectos acerca dos mecanismos de funcionamento desta última força militar, tendo como recorte espacial e cronológico a comarca de Vila Rica entre os anos de 1735-1777, atentando-se sobretudo para os direitos, privilégios e obrigações inerentes a seus postos de mais alta patente. Neste sentido, consideramos que era fundamental que o ocupante de um posto nas Ordenanças obtivesse autoridade e reconhecimento público e social para que conseguissem tornar-se face visível do poder.

Assim, consideraremos que se por um lado os direitos, privilégios e obrigações apresentadas a este oficialato delimitavam seus papéis sociais e funções, por outro, lhes propiciavam firmar espaços de prestígio e distinção, os quais levavam à consolidação de seus instrumentos de mando e “qualidade” social nas conquistas.

Ressaltes-se que a invocação da “qualidade” (social) é visível nos atos de nomeações para postos militares a fim de escolher o dirigente ideal12, pois tanto em Portugal quanto no ultramar, mais importante que os saberes particulares de guerra na composição de um chefe militar era sua “qualidade”13.

No ultramar esta qualidade estava invariavelmente associada à nobreza, mas não a uma nobreza derivada do ilustre nascimento, do sangue e hereditária, e sim a um ideal que invocava a concepção de “nobreza civil ou política” isto é, baseada na prestação de serviços ao Monarca14 , bem como a um ideal com um caráter guerreiro, atrelado à noção de conquistador15.

1. Conhecendo as forças

 De acordo com António Hespanha, as Ordenanças em Portugal, e mesmo no ultramar, tiveram um impacto político disciplinador, pois através delas se fazia chegar às periferias as determinações do centro; bem como tiveram um caráter dispersor do poder régio ao fomentar o reforço das elites locais e também ao se oporem aos comandos centralizados da Tropa profissional Paga16.

Para o caso português, alguns autores têm destacado a importância das Ordenanças como fonte de poder na esfera local e aliada na implementação das diretrizes administrativas17. Por seu turno, a convivência da Coroa com os poderes locais tem sido apontada como principal contraponto do exercício “absoluto” da autoridade régia em seus domínios18. O papel que tais poderes desempenharam compreende uma conjugação entre comportamentos classicistas (pois as classes dirigentes das localidades não eram homogêneas, fato que repercutiu em seus comportamentos), solidariedades estamentais e laços de patrocínio, tudo conjugado com o poder conferido pela outorga de honras pelo Rei. Este poder podia ser significativo quando a Coroa tinha uma ampla capacidade de patrocínio visto que, quando usado judiciosamente, permitia incorporar novos grupos sociais ao aparelho estatal e assim ampliar sua base social. Entretanto, este processo fazia com que a Coroa não pudesse prescindir do apoio destes grupos dando lugar ao florescimento de clientelas e de redes de intermediários sociais19 .

 Vale lembrar que esta sociedade regia-se a partir de um paradigma corporativista segundo o qual o indivíduo não existe sozinho e sim como parte de um todo ocupando um lugar na ordem, uma tarefa ou dever social20. Desta forma, a partir deste paradigma pregava-se que o poder era, por natureza, repartido; e, numa sociedade bem governada, esta partilha natural deveria traduzir-se na autonomia político-jurídica dos corpos sociais. A função da cabeça (Rei) não era, pois, a de destruir a autonomia de cada corpo social, mas por um lado, a de representar externamente a unidade do corpo e, por outro, a de manter a harmonia entre todos os seus membros, atribuindo a cada um aquilo que lhe é próprio; garantindo a cada qual o seu estatuto (“foro”, “direito”, “privilégio”); numa palavra, realizando a justiça21 . Nesta perspectiva, a representação do sistema político ocorreria através de uma articulação hierarquizada de múltiplos círculos autônomos de poder tais como as famílias, as cidades, as corporações, os senhorios, os reinos, o Império, nos quais a articulação dos poderes se faria de acordo com os mecanismos espontâneos decalcados sobre as relações sociais de poder, ou seja, sobre o poder efetivo de cada esfera para impor às outras o seu reconhecimento22 .

Deste modo, e conforme destacou António Hespanha, o Estado português na Época Moderna não deve ser entendido sob o ponto de vista da centralização excessiva, mas a partir do conceito de Monarquia Corporativa. Neste sentido teríamos um Estado no qual o poder real partilhava o espaço político com outras instâncias de poder: Igreja, Concelhos, Senhores, Família; onde o direito legislativo da Coroa seria enquadrado pela doutrina jurídica e por usos e práticas locais; onde os deveres políticos cediam ante os deveres morais (graça, piedade, gratidão, misericórdia) ou afetivos (redes de amigos e clientes); e onde os oficiais régios teriam ampla proteção de seus direitos e atribuições, tendendo a minar o poder real23.

Assim, ao mesmo tempo em que se reconheceu a importância dos poderes locais para a efetivação do poder régio em muitos de seus domínios, se descobriu que a vitalidades do mesmo era indissociável da constituição de poderosas elites locais24. Como bem demonstrou Pedro Cardim, o Rei estabelecia com os grupos dirigentes do reino, e das localidades ultramarinas, vínculos de interdependência e de complementaridade: o monarca cada vez mais contou com os serviços destes homens nomeando-os para os mais variados postos e cargos nos mais variados lugares de seu Império. Por seu turno, tais indivíduos esperavam que a realeza os recompensassem devidamente pelos serviços prestados. Este sistema de remuneração de serviços funcionou como o principal suporte do regime político luso moderno. Em contrapartida, este mesmo sistema de concessão de mercês abriu espaço para uma maior perifização do poder e para a emergência de grupos locais com interesses próprios25.

Dentro deste viés, na última década estudos que têm se dedicado ao processo de colonização brasileira vêm se atentando para a limitação dos poderes régios e, consequentemente, para a atuação de poderes locais na construção da autoridade metropolitana na colônia; para a negociação que envolvia as relações entre Coroa e súditos, para a formação de uma “nobreza da terra” e para a influência de práticas e valores de Antigo Regime nos diferentes setores da sociedade26 . Esta historiografia assinala que as tensões afetando os principais grupos de poder na América Portuguesa estiveram vinculadas a um dado perfil de formação do súdito colonial, destacando a forma e a força da dinâmica local nas relações de poder. Conforme destacou Jack Greene as elites coloniais foram capazes tanto de opor resistência quanto de usar as instituições metropolitanas em prol de seus objetivos27.

Ressalte-se que este processo de atuação das elites no território colonial vinha seguindo um padrão definido em moldes gerais pelas normas e agências institucionais estabelecidas pela própria Coroa. Maria Fernanda Bicalho analisou muito bem esta questão destacando que nas conquistas, através do controle de instituições locais como as Câmaras, as Ordenanças e as Irmandades, as elites coloniais procuraram ter acesso a honras, privilégios e signos de distinção28 . Estes três órgãos/instituições constituíam-se em esferas de poder local, sendo fundamentais para garantir a convivência “ordenada” da população na América Portuguesa29.

No caso das Ordenanças sua importância para a Coroa tem sido atestada por se constituírem em um espaço de negociação que fundamentava os vínculos políticos entre a Metrópole e a Colônia sendo, portanto, um canal de encontro e colaboração entre Metrópole e comunidades locais, bem como uma esfera de negociação de conflitos e divergências30 , e também por se constituírem em um importante componente da administração lusa na colônia, pois levavam a ordem legal e administrativa da Coroa para os lugares mais longínquos de seu vasto Império31. Este elemento também é ressaltado por Raymundo Faoro, para quem as Ordenanças constituíram a “espinha dorsal” da colônia, elemento de ordem e disciplina32.

Alguns autores destacam que os indivíduos que ocupavam os quadros da oficialidade de Ordenanças eram, em sua maioria, membros das elites proprietárias locais, sem nenhuma experiência militar, e que sua posição de patenteado implicava em prestígio e poder, mas em nenhuma responsabilidade, e por isso atuavam, muitas vezes, de forma independente, violando ordens e abusando de sua autoridade33. Não se desconsidera que os abusos de autoridade existiram, muito menos que os indivíduos atuantes nas Ordenanças não se constituíam em meros executantes dos interesses do poder central e de seus representantes ultramarinos, pois eram também agentes representantes de interesses inscritos na esfera local34. Contudo, a idéia de que os oficiais de Ordenanças não possuíam nenhuma responsabilidade e de que se constituíam em forças independentes sem nenhuma ligação com o poder régio, é demasiado deturpada. Estes estudos não se atentaram para o fato de que o Rei detinha o controle da nomeação dos oficiais, através da concessão de postos militares, e que por meio disto, e da concessão de outras mercês, a Coroa estabelecia vínculos estratégicos com os colonos que propiciavam a expansão de seus interesses no além-mar35.

 2. Direitos, privilégios e obrigações apresentadas aos oficiais de Ordenanças

Ser capitão- mor, sargento-mor, capitão era uma forma de identificação no mundo colonial que muitos indivíduos passaram a assumir instalados nas conquistas e essa identificação definia seu lugar social na hierarquia do Antigo Regime que, além de lhes impor uma série de obrigações, lhes garantiam também direitos que faziam questão de usufruir36.

Os privilégios adquiridos com uma patente de Ordenanças eram vários e sempre sublinhados nas cartas patentes que assim sobre eles discorriam “[…] na ocupação do posto não vencerá soldo algum mas gozará de todas as honras, privilégios, liberdades e isenções e franquezas que em razão dele lhe pertencem […]”. Através do Regimento de 1570 podemos ter acesso a alguns destes privilégios dados aos homens de patente. No referido Regimento ficava assim estipulado:

“[…] todo capitão-mor e capitão logram do privilegio de cavalleiro fidalgo; todo militar goza de nobreza pelo privilegio do foro, ainda que antes de o ser militar tenha sido mecanico, de qualquer qualidade, ou condição, por ella he dado a suas mulheres, filhas e descendentes do genero feminino o titulo de dom. São tambem isentos dos encargos dos concelhos, não pagão jogados aos reguengos, não podem ser presos em ferros nem presos por dívida,; lograo privilegio de aposentadoria ativa e passiva […]”37.

 De todos os direitos que possuíam, o que os possibilitavam meio de nobilitação era o mais valorizado e sempre que alguma situação impedia que tal direito fosse exercido, os oficiais não se privavam de reivindicá-lo. O caso do capitão-mor de Ouro Preto António Ramos dos Reis denota exemplarmente o que estamos querendo dizer quando remete para o Conselho Ultramarino uma reclamação de que os privilégios cabíveis a seu posto não estavam sendo respeitados e validados. Natural do Porto chegara ao Brasil com 9 anos de idade com seus pais António Martins Ramos e Maria Gonçalves e vivera no Rio de Janeiro antes de vir para as Minas. No Rio de Janeiro se casou com Vitória dos Reis e com ela tivera três filhos. Ainda nesta cidade iniciou sua carreira militar servindo alguns anos em praça de soldado infante em um dos terços da Guarnição do Rio de Janeiro38. Em 1714 encontramos António Ramos dos Reis em Minas Gerais onde estabeleceu uma trajetória de sucesso ocupando vários postos militares importantes como o de capitão de auxiliares no distrito de São Bartolomeu, o de mestre-de-campo de Vila Rica em 1732 e ,em 1741, o de capitão-mor das Ordenanças de Vila Rica. Mostrou-se:

 “[…] fiel a V. Mag. em todos estes serviços fazendo muitas de suas obrigações com despesas de sua fazenda, como na ocasião em que socorreu o Rio de Janeiro quando os franceses invadiram tal cidade com seus escravos armados e fazendo tal jornada à custa de sua fazenda. Como também na ocasião em que ajudou na contenção da revolta contra o ouvidor geral Manoel da Costa Amorim com seus escravos armados […]”39.

Além da ocupação de importantes postos militares, António Ramos dos Reis ocupou também importantes cargos como o de vereador e o de juiz de órfãos, ambos em Vila Rica, sendo também membro de importantes Irmandades de Vila Rica, do Rio de Janeiro e de Portugal40. Além de todos estes postos e cargos que lhe conferiam enorme prestígio e atestavam sua “qualidade” , este oficial foi também um dos homens mais abastados das Minas Gerais, sendo descobridor de uma grandiosa lavra localizada no morro chamado comumente de morro do Ramos onde tem serviço de talho aberto e varias minas com muitas grades, tanques de recolher águas onde tem para cima de 100 escravos. Além disso, tinha também várias moradas de casas em Ouro Preto e no Rio de Janeiro, além de outra fazenda, também no Rio de Janeiro, com casa de vivenda e capela, hum curral de criação de gado vacum com mais de 20 escravos41, dados nada desprezíveis nesta sociedade para aqueles que quisessem reconhecimento público da distinta posição social que ocupavam. António Ramos dos Reis era também cavaleiro professo da Ordem de Cristo42, o que consistia num poderoso mecanismo de distinção social que evocava dignidade e nobreza43.

Segundo Norbert Elias, numa sociedade permeada por valores e práticas de Antigo Regime, a forma como se era visto era imprescindível para a determinação de sua posição e distinção enquanto elite44, e as festas barrocas eram excelente momento para se externalizar posições de mando e prestígio. Emanuel Araújo destaca que as festas eram lugar de expressão de fidalguia, que ressaltava o brilho, o poder e a grandeza dos participantes, sendo legitimadoras do poder local na medida em que introjetavam valores necessários à ordenação e domínio sobre a sociedade45 .

Assim, nesta sociedade marcada por símbolos, rituais e valores voltados para a distinção e nobiliarquia, o respeito às regras do cerimonial e a ocupação das posições de destaque eram fundamentais para o reconhecimento da “qualidade” e da autoridade.

Não por acaso, António Ramos dos Reis reclama que suas honras e lugar que deveria ocupar na festa realizada em Vila Rica para comemorar o nascimento da infanta não foram respeitados. Argumenta que:

 “[…] na referida festa se deo ao suplicante acento com impropriedade faltandose a elle a honra devida e que por ocupar o posto de capitão-mor lhe eram competentes todas as honras e privilegios, liberdades e isençoens concedidos às pessoas que ocupam tais postos em qualquer parte do reino […]”46.

 Para tentar evidenciar que este privilégio era quase um “direito adquirido” o dito oficial cita um caso semelhante ao seu que ocorreu na Bahia em 1716 ao se negarem as honras ao mestre de campo Miguel Pereira da Costa onde se resolveu que se restituissem ao dito mestre de campo seu lugar de direito47.

Do acima exposto depreende-se que em uma sociedade de Antigo Regime, para que os oficiais conseguissem manter sua “qualidade”, fazia-se necessário estar em constante movimentação nas teias sociais que permeavam seu cotidiano. Por ser uma sociedade marcada por tensão permanente, a estagnação podia ser fatal para aqueles que almejassem ascender socialmente48. Por estagnação entendemos o não aproveitamento dos recursos de que este oficialato dispunha nesta sociedade para adquirir mais prestígio e aumentar suas posições de comando; recursos estes que surgiam das próprias relações sociais que eles mantinham e que em última instância denotava autonomia e autoridade política por parte destes indivíduos.

 Muitas também eram as obrigações a que este oficialato estava sujeito. Talvez uma das mais elementares era ter de morar no distrito onde atuava. Em todas as cartas patentes vinha assim estipulado “[…] são obrigados a residir sempre dentro do distrito da dita sua companhia, sob pena de se lhes dar baixa e prover outra pessoa no referido posto […]”. O Regimento das Ordenanças de 1570 também dissertava acerca deste assunto argumentando que “[…] se o capitão-mor se ausentar até 2 meses no verão e 6 meses no inverno o sargento-mor lhe substitui, se sua ausência passar disso deve-se eleger outro capitão-mor […]”49. De fato, encontramos alguns casos em que a perda de um posto foi devida à mudança para outras localidades. António Luís Brandão, por exemplo, ganha a patente de capitão de Ordenança de Pé no arraial da passagem em 1741 devido “[…] ausência que fez para o Rio de Janeiro o capitão della António Álvares da Cruz, estabelecendo nesta cidade sua casa, como me constou por informação do capitão mor desta villa”50. A importância do “critério da residência” é atestada por Fernando Dores Costa para quem “a cadeia de autoridade definida na companhia rege-se pelo critério da residência. O ‘espírito’ que parece guiar o regimento é o de garantir a presença dos dirigentes do treino obrigatório nos locais onde se organizam as companhias”51.

Outra obrigação dos oficiais de Ordenanças, sobretudo dos capitães-mores, bem como dos sargentos-mores era organizar os alardos ou “mostras gerais”, ou seja, impor o treino militar. Estes deveriam ter lugar duas vezes por ano, mas sem uma regularidade definida. Após a convocatória as companhias de cada localidade deveriam reunir-se no local determinado, geralmente na praça pública em frente às câmaras, para serem inspecionados e se efetuarem os exercícios. Durante os alardos estes oficiais examinavam as armas dos soldados, para verificar se estas se encontravam em condições de uso52.

 Cabia ainda aos oficiais, em caso de ataque inimigo, organizar a defesa e zelar pela conservação e reparo das estruturas defensivas. Durante todo o século XVIII foi constante a atuação de oficiais de Ordenanças em contenção de revoltas, ataque a quilombos, vigilância de caminhos e defesa de fronteiras.

A fragilidade da estrutura burocrática da Coroa determinava que para o desempenho de certas funções administrativas também se recorresse à colaboração dos oficiais de Ordenanças, o que acabou se tornando quase uma “obrigação” para estes indivíduos, até porque sem estas prestações de serviços não conseguiam sua ascensão e atestação de sua “qualidade”. Eleitos entre os “principais da terra”, eles eram muitas vezes chamados a desempenhar funções que em princípio caberiam as extensões periféricas do poder central, realidade presente não só no ultramar mas também no reino53. Entre estas atividades administrativas sob responsabilidade dos oficiais de Ordenanças, no período abordado, estavam a construção de obras públicas e a coleta de alguns tributos, como a capitação e o quinto, atuações com as quais também contribuíam para a manutenção da ordem pública54.

Por exemplo, em 1748 Manuel Cardoso Cruz e Manuel Teixeira Chaves, capitães de Ordenanças de Mariana, enviam um requerimento ao Rei D. João V solicitando que se ajustasse a melhor forma de se evitar as inundações da cidade, causadas pelas cheias do ribeirão do Carmo. Argumentam que:

“[…] desejam evitar os dannos que se encaminha para a cidade e a ruina dos seos habitantes e que querem fazer hua obra para evitar as ditas cheias, mas que tal obra é impocivel não só as rendas do senado da vila, mas ainda as posses de todos os moradores da vizinhança della […]”55.

 Reconhecem que tal obra era de utilidade ao “bem comum” e à Coroa e se oferecem para fazer a dita obra “movidos não só de utilidade própria, mas do bem comum e pelo desejo que como leais vacalos tem de servir a S. Mag”. Entretanto, colocam algumas condições:

“[…] pedem uma pequena despesa annual do senado da mesma cidade, os foros que se paga ao senado das terras que se tem aforado e aforarem de casas feitas que rendem 600 mil por anno(…)e pedem também as terras por onde passa o dito rio das quais já se tirou já o ouro e que alguns proprietários os ajudem com certo número de escravos correspondentes as terras que tiverem, e pedem também que os escravos, assim como pardos, prettos, forros que por crimes merecerem degredos lhe sejam dados para trabalharem na dita obra”56.

Do acima exposto pode-se dizer que os oficiais participavam de certa forma do controle da vida política e econômica das localidades, exerciam um relativo poder sobre as populações e revelavam-se essenciais a um aparelho estatal em construção; um recurso que a Coroa lançou mão em Portugal, depois da guerra da Restauração, e que foi repassado para a América57.

Para finalizar destaco que o funcionamento da organização bélica, pelo menos no que diz respeito às Ordenanças na região e período enfocados, estava estritamente ligado às medidas régias que por meio do sistema de mercês, coadunava as ações e relações dos coloniais, no caso dos oficiais, para o ordenamento do espaço social que pretendia dominar. Obviamente que nem sempre os desígnios régios para ordenamento do espaço social iam de encontro aos interesses dos indivíduos ou grupos que os colocavam em prática, e que justamente por se constituírem em homens possuidores de autoridade dos quais a Coroa não podia prescindir, podiam negociar com a mesma a defesa de interesses.

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